Essa é para os homens: O que você faria se sua mulher te ligasse da rua, chorando, para contar que acabara de ser agredida por um homem que ela nunca viu na vida? O Léo passou por isso ha pouco mais de um mês.

A França esta em plena campanha para encorajar as denuncias de agressões contra as mulheres. O governo se mobilizou e declarou que esse tipo de violência seria a Grande Causa Nacional de 2010. Aqui na França*, 2 milhões de mulheres são agredidas por ano pelos seus maridos e 400 morrem apanhando, ou seja, mais de uma por dia. São pelo menos 75 mil casos de estupro todos os anos, 205 por dia! A meu ver, o mesmo homem que estupra ou agride dentro de casa, é aquele que distribui murros no trânsito. Foi assim que eu entrei para as estatisticas.
Andando de bicicleta pela cidade, passei por um homem de uns 40 anos que ficou furioso e assustado quando tentou cruzar uma avenida, sem olhar para a direção de onde eu vinha. Buzinou e foi atras de mim. Jogou o carro contra a minha bicicleta, quase me fazendo cair no chão. Desceu, gritou, e ao me ver calada em estado de choque, me deu um murro forte nas costas. Eu, sei la como, consegui improvisar um francês para dizer que no meu pais homem não pode bater em mulher, e depois dei-lhe umas bolsadas para me defender. A confusão foi muito além, ele ainda me perseguiu e ao me encontrar uma segunda vez, me ameaçou.
Chorando e muito desesperada, esperei o Léo sentada na calçada para irmos à delegacia. Foram mais de seis horas entre depoimento e hospital, para fazer o exame de corpo de delito. "Contusão nas costas, torção no punho e estado de choque" dizia o relatorio médico. Incapacidade total de trabalho: 4 dias. Para ter valor penal, precisa ser de pelo menos oito. Ou seja, perante as leis francesas eu não fui agredida o suficiente para processar o cara, ja que não tive o nariz quebrado, nem fiquei com o olho roxo.
Dado empurrou Luana e ganhou o direito de passar quase 3 anos dormindo na prisão. Um exemplo para mostrar que no Brasil, a Lei Maria da Penha não nasceu para ficar no papel.
A minha indignação infelizmente não para por ai. Recebi uma convocação para comparecer à delegacia hoje, achamos que eles queriam mais informações e fomos tranquilos. Chegando la, um policial muito grosso e agressivo me encaminhou para uma sala sem permitir que o Léo fosse junto, mesmo sabendo que eu não falava francês muito bem. Na sala, dei de cara com o homem que me agrediu. Em nenhum momento soubemos que esse homem estaria la, portanto, eu não estava preparada para fazer essa confrontação. Depois descobrimos na internet que eu poderia ter me negado a entrar, mas em momento algum recebi essa informação na delegacia.
Fui coagida pelo policial o tempo todo. Ele passou os primeiros 30 minutos fazendo perguntas so para mim, falando rapido e tentando me colocar contra a parede, para cair em contradição, enquanto eu chorava copiosamente. Ao homem, ele não dizia nada. Fui constrangida e tratada como se fosse a culpada. Até eu ja estava me convencendo de que a errada fui eu por ter incomodado o andamento do "sistema" com uma denuncia assim, tão banal. Afinal, agressão que não quebra osso algum, não é bem uma agressão agressão, certo?
- Você subiu na bicicleta falando ao telefone depois que o senhor saiu com o carro?
- Sim, eu liguei para o meu marido e ele foi me guiando para dizer aonde eu deveria ir.
- Você sabia que é proibido falar ao telefone em cima de uma bicicleta?
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- Você gritou e agrediu o senhor com a sua bolsa?
- Sim, mas so depois que ele me deu um murro nas costas! Gritei por socorro.
- Por que você não saiu do local e ligou para a policia então?
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- Por que você queria tanto que o senhor esperasse o seu marido no local?
- Por que eu não falo francês fluentemente.
- Esse foi o unico motivo ou você esperava que o seu marido resolvesse o problema de outra forma?
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- Você disse ao senhor que se no pais dele é permitido bater em mulher, no seu não é?
- Não, eu disse que eu não sei se
aqui no pais dele é permitido bater em mulher, mas que no meu não é.
- Você sabia que isso é racismo e você pode ter problemas?
- Eu não sou racista.
- Mas foi, porque o senhor é de origem arabe.
- Como é que eu vou saber de onde ele vem? Eu quis dizer que se aqui na França os homens batem em mulher, no Brasil, não batem.
- Ainda assim, comentario racista.
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- Você sempre chora facil como agora?
- Não, so quando alguém me agride na rua.
(Depois perguntou para o Léo se eu era muito emotiva ou tinha sofrido algum trauma no Brasil porque choro "à toa")
Não parece, mas EU fui agredida, EU prestei queixa, EU sou a vitima. Que tal perguntar para o senhor por que ele veio de carro atras de mim, ou por que ele jogou o carro em cima da minha bicicleta, ou mesmo por que ele desceu do carro e me deu um murro sem que eu falasse nada, na frente da esposa e do filho pequeno???? Mas não, nenhuma dessas perguntas foram feitas ao agressor, que saiu impune dali. Eu sai revoltada.
Revoltada por não ter sido atendida por uma policial mulher, por ouvir que na França não é permitido bater em criança nem em mulher, mas que vejam so, eles batem - "acontece". Que um simples murro nas costas não caracteriza agressão, que agora é preciso aguardar a decisão do juiz e que provavelmente "não vai dar em nada, no maximo uma multa por você ter jogado a bicicleta publica no chão e falado ao celular enquanto pedalava".
Ainda perplexa com a situação, me desculpo pelo texto enorme e por compartilhar uma historia tão chata com os leitores que passam por aqui em busca de dicas e diversão. Mas tudo na vida tem seu lado ruim, inclusive o primeiro mundo. Acho fundamental que os interessados pela França saibam que aqui não é esse paraiso que eu sonhava ser e que a violência não é "privilégio" dos brasileiros.
Por agora, deixo dois telefones que podem ser muito uteis para nos mulheres, é bom anotar pois, mesmo que seu marido seja um fofo como o Léo, existe muita gente doida nas ruas. Para quem esta na França, o disque-denuncia é o
3919, no Brasil ligue para o
180 ou procure uma Delegacia da Mulher.
*Fontes: www.violencesfaitesauxfemmes.com
www.gouvernement.fr/gouvernement/la-loi-sur-les-violences-faites-aux-femmes