Algumas coisas se tornam naturais aos nossos olhos simplesmente porque habituamos-nos à elas. Eu poderia citar aqui as crianças que dormem nas ruas ou os elevados numeros de assassinatos no nosso Brasil, mas vou falar de uniformes. Isso mesmo, de uniformes. O que você pensa sobre eles? Ou melhor, você ja parou para pensar sobre eles? Pois eu nunca tinha dado atenção ao assunto até chegar na França e descobrir que aqui as crianças não usam uniformes nas escolas.
A obrigatoriedade do uniforme caiu em maio de 68, quando a França viu acontecer uma das mais importantes manifestações pelas ruas do Pais. De la pra ca, crianças e jovens vão à escola vestidos como querem. Isso permite que cada um mantenha a sua individualidade e caracteristicas o tempo todo, todos os dias da semana. Seja em casa, seja no parque, seja na escola. Quem lida com crianças sabe o quanto isso é importante para a formação delas.
No final do ano passado o partido do presidente Sarkozy propôs que as crianças voltassem a usar uniformes, alegando que isso facilitaria a integração de todos e diminuiria as diferenças sociais que existem entre alunos que frequentam a mesma escola. Eh que aqui não tem escola pra rico e escola pra pobre (quer dizer, tem as escolas dos super ricos, mas eu nem saberia escrever sobre elas). O filho do executivo africano come a mesma merenda que o filho da faxineira francesa. Todos aprendem na mesma sala de aula. Por isso vieram com essa balela de que voltar a usar uniformes seria legal ja que, assim, todos seriam iguais. Não, senhor presidente, não seriam! A não ser que todas as crianças fossem obrigadas a usar também o mesmo tênis. E a mesma mochila. E os mesmos cadernos. E também o mesmo relogio. Ainda assim, cada uma teria um corte de cabelo diferente, um celular mais moderninho. Ou seja...
Quem também não usa uniforme na França são as babas (acento agudo no segundo A, por favor). E olha que estou falando com conhecimento de causa, porque ja trabalhei como babah aqui na França.
Angelina Jolie passeando com os filhos. E essa moça, seria a babah, seria uma amiga? Não sabemos.
No caso das babas, a problematica do uniforme é ainda maior, principalmente ai no Brasil, onde a profissão sempre foi exercida por pessoas mais simples, com menos instrução. Exigir que a babah do seu filho use um uniforme branco ao leva-lo para passear é expô-la a possiveis discriminações. Por exemplo: quando ela entra no restaurante com o seu bebê, o uniforme branco grita para todos que ela é a babah daquela criança. O que seria ok, se não estivéssemos falando de Brasil, onde babah = pobre = favela = trato do jeito que eu quiser. Então o garçom pode agir diferente por causa do uniforme. Se ela estivesse usando uma calça jeans ou um vestido florido, que seja, ele não teria como saber se aquela moça é mãe, tia ou amiga da mãe da criança.
Alguém avisa que além de desumano, é brega, por favor?!
Até entendo que você não veja dessa forma, afinal, você é uma pessoa justa, que não discrimina ninguém. Mas, acredite, o mundo esta cheio de gente capaz de destratar uma pessoa so porque ela chega com uniforme de doméstica, ou de bajula-la, se estiver usando uma roupa de médico.
Pai + mãe + babah pra passear com uma so criança em pleno domingo. Precisa mesmo?
Tenho certeza que as pessoas que me viam passeando com as crianças não sabiam que eu era a babah, pois eu me vestia igual à mãe deles. Nunca vi babas de uniforme empurrando carrinhos aqui na França, é uma coisa tão absurda! Assim como é esse artigo brasileiro que lista conselhos para as mamães sobre a higiene das babas:
"O ideal é lavar o cabelo todos os dias para mantê-los limpos ou dia sim, dia não, se não estiver muito calor (muitas vezes a babá faz escova ou chapinha e não o lava para mantê-lo liso). "
Traduzindo: evitem contratar pessoas negras, de 'cabelo ruim', porque, para não estragar a escova, elas não lavam os cabelos. Porcas!
E o melhor, quer dizer, o pior conselho, na minha opinião:
"Dica básicas de higiene da babá: Não beijar o rosto da criança."
Oi? Se eu não posso beijar o rosto, devo beijar o quê? A sola do pé dela? Pedir para a pessoa que vai cuidar do seu filho não estabelecer uma relação de afeto com ele é tão maldoso que eu custo a acreditar que um site tão conhecido tenha permitido a publicação desse artigo.
Quando eu passo três semanas no Brasil e cruzo com essa nova classe média alta desfilando suas escravas babas no shopping, na orla da praia, nos restaurantes, como se elas fossem um acessorio mesmo, uma bolsa de luxo que garante status, e quando leio artigos como esse, eu vejo que a nossa sociedade esta perdendo limites. E a isso eu não quero habituar-me.
Atualizando: a editoria do site deve ter se tocado da bobeira que fez ao publicar o artigo e o tirou do ar.
Atualizando: a editoria do site deve ter se tocado da bobeira que fez ao publicar o artigo e o tirou do ar.