A Bélgica ainda é jovem, se comparada às potências européias que estão em volta dela (conquistou a sua independência apenas em 1831). Ja esteve sobre dominio romano, espanhol, austriaco, holandês, alemão (durante as duas guerras mundiais) e francês. Os franceses, alias, nunca foram muito gentis com esse povo. Bombardearam Bruxelas, confiscaram obras de arte, imortalizaram os belgas com piadas esteriotipadas - os belgas são para os franceses o que os portugueses são para os brasileiros: o alvo principal na hora de tirar um sarro.
Mas a verdade é que 'ser belga' tem significados diferentes nas três regiões do pais. Flamengos, que vivem ao norte e falam holandês, e valões, moradores do sul e que falam francês, vivem em pé de guerra, pedindo a separação da Bélgica. Bem ao centro esta Bruxelas, uma cidade bilingue onde jornais, placas de sinalização e até legendas nos cinemas devem estar traduzidos nas duas linguas. Como se vê, nem so de cerveja, batata frita e chocolate se faz a Bélgica, conflitos internos contemporâneos também estão no cardapio.
Tivemos a sorte de desembarcar em Bruxelas em plena greve do transporte, o que nos forçou a caminhar muito e a abusar das bicicletas publicas para nos locomover. Digo sorte porque, com ônibus e metrôs circulando, teriamos perdido a chance de encontrar os pequenos tesouros que apareciam no nosso caminho. Então, o primeiro conselho é: se puder, caminhe! Bruxelas é mais interessante quando descoberta a pé. Se gostar, pedale! Utilizar as
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Este primeiro post reagrupa o que vimos de mais bacana na parte alta da cidade. Um roteiro que, começando pelo
Le Sablon, fica mais interessante ainda! O bairro é elegante e ao mesmo tempo descolado, o lugar ideal para ver gente muito, muito bonita e poucos turistas. Perfeito também para fazer as refeições ou tomar
um café uma cerveja belga num dos cafés e restaurantes badalados da Rue de Rollebeek (que cobram os mesmos preços dos restaurantes turisticos em torno da Grand-Place). Também é la que se concentram os antiquarios e brechos de luxo, além de muitas galerias de arte e prédios de diferentes épocas e estilos.

A Notre-Dame du Sablon é a igreja gotica do bairro, que começou a ser construida por volta de 1400 e so ficou pronta em 1550. Essa igreja é um dos raros edificios do gênero que escaparam da destruição durante as guerras sucessivas que aconteceram nos seus 600 anos de historia, principalmente durante as guerras de religião. Destaque para os vitrais de 14 metros de altura que decoram a igreja.
Bem ao lado, fica o jardim mais gostoso de Bruxelas, feito
à la française, ou seja, simétrico. O jardim do Petit-Sablon foi criado em 1890 e tem em destaque uma fonte em homenagem a dois condes, Egmont e Hornes, decaptados na Grand-Place em 1568. Agora, interessante mesmo são as 48 pequenas estatuas que cercam o jardim. Cada uma representa uma profissão importante da época. Léo e eu fizemos o
tour tentando advinhar quem era o quê.

Bruxelas é uma das capitais mais verdes da Europa, e poder contar com esses espaços estratégicos para comer um lanche comprado na esquina ou para decansar os pés depois de longas caminhadas é o sonho de todo viajante. O Parque d'Egmont é um desses cantinhos e vale a pena ser visitado pela linda copia da estatua em bronze do Peter Pan que enfeita o jardim desde 1924, quando o inglês Sir George Frampton a ofereceu como presente para a cidade de Bruxelas. O monumento do
menino que não queria crescer simboliza a amizade entre as crianças belgas e inglesas durante a Primeira Guerra Mundial.
Seguimos caminhando até o Museu Belas Artes, que abriga dois quadros que eu queria muito ver:
La mort de Marat (1793), de
Jacques Louis Davi e
Épisode des journées de septembre 1830 (1834), de Gustave Wappers. O museu não possui muitas obras conhecidas do grande publico porque o exercito francês levou tudo para Paris durante a Revolução Francesa. Ainda assim, ele é reputado por possuir a coleção de arte flamenga mais bonita do mundo.
O Belas Artes fica na praça Royale, onde podemos visitar também a igreja neoclassica Saint Jacques sur Coudenberg. A construção que vemos hoje data de 1787, mas desde o século XII ja existia uma capela ali. Ao contrario da primeira igreja deste post, essa foi muito danificada durante as guerras de religião e acabou sendo totalmente destruida num incêndio em 1731. Ela foi reconstruida e, durante a Revolução Francesa, serviu como templo da Razão e do Direito, voltando a funcionar como igreja apenas em 1802. Dois quadros enormes do pintor belga Jean-François Portaels se destacam no interior sobrio da igreja.
O Palacio Real fica a dois passos dali e é a residência oficial dos reis da Bélgica. Desde 1965 ele pode ser visitado pelo publico, mas apenas entre julho e setembro. A construção não é tão antiga assim, foi terminada em 1909 e é uma das mais bonitas da cidade. A bandeira asteada significa que o rei esta ali.
O melhor caminho para sair da parte alta e chegar ao centro é descendo pelo Mont des Arts. No caminho, além da Biblioteca Real e do Palacio do Congresso, existe também um jardim aberto e o maldito relogio que não quis fazer graça pra gente. Conhecido como
le carillon du Mont des arts, o relogio é composto de 12 personagens historicos e folcloricos da cidade, além de um outro que bate no sino la de cima do telhado. Os ponteiros nas fotos mostram que ficamos um tempão esperando ele tocar, mas não tivemos sorte.
Quando eu falei sobre os tesouros que aparecem no caminho do viajante que abre mão do transporte publico para flanar sem pressa, era a Galeria Bortier que ocupava o meu pensamento. Um lugar que parece ter parado no tempo! Idealizada por um senhor que achava necessario reagrupar em uma passagem fechada e confortavel livros, cartões e timbres da época, a galeria foi construida em 1840. Hoje, além de vender livros raros, historias em quadrinhos e livros de viagem, tudo usado, a galeria recebe também exposições de artistas belgas da nova geração, que contam com o apoio da prefeitura para divulgar os seus trabalhos. Um lugar para os apaixonados por leitura, historia e arte.
A Chapelle de la Madeleine me intrigou. Conta o nosso guia que ela havia sido construida onde fica hoje a estação central e que no começo dos anos 50 eles transportaram elemento por elemento para o lugar que ela ocupa hoje, não muito longe da estação. Não sei o que ele entende por "elemento", mas fiquei me perguntando se ele estava se referindo a tijolos, telhas e pisos. Porque se for isso mesmo, eu tiro o chapéu para esses belgas criativos, que se empenham em conservar o passado da cidade.
Antes de mostrar outra igreja, preciso dizer que elas estão por toda parte. A Bélgica é um pais que tem fortes raizes no catolicismo romano e quem visita essas igrejas acaba aprendendo muito sobre arquitetura, mas também sobre a historia do pais, afinal, elas participaram (e participam) de maneira ativa dos acontecimentos que marcam a sociedade.
A Catedral Saint Michel et Sainte Gudule é a mais importante delas. Além de ser a primeira igreja da Bélgica, é la que acontecem as cerimônias de casamento e funerais de membros da familia real. Sua construção começou em 1225 e so terminou três séculos mais tarde. Uma igreja tão importante com um interior bem simples. Por quê? Ah, vamos la! Depois de ter chegado até aqui você ja sabe que o exercito francês passou por la e roubou tudo durante a Revolução Francesa, né? Sem as imagens em ouro, o que chama a atenção é o pulpito barroco esculpido por Henri François em 1699.



Uma mescla surpreendente de estilos é o que a gente mais vê na arquitetura de Bruxelas, mas é o Art Nouveau que faz a fama da cidade. Desenvolvido depois da Revolução industrial, o Art Nouveau foi criado para dar ao mundo moderno um jeitão mais harmonioso através dos arabescos. O arquiteto belga Victor Horta revolucionou a arquitetura privada aplicando nas casas burguesas as técnicas nascidas da revolução industrial e criando, assim, espaços fluidos e transparentes onde a luz circula melhor. Foi no lombo de duas bicicletas que saimos em busca das construções em Art Nouveau mais famosas da cidade.
Ufa! Terminamos a primeira parte. No proximo post eu vou falar sobre a Grand-Place e do roteiro que fizemos na parte baixa da cidade para provar que não, um dia não é o suficiente para conhecer Bruxelas.