quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Outono na campagne

Por mais obvio que seja, eu vivo me esquecendo que moro em um dos paises mais bonitos que existem. Deixo de lado os vales, castelos e pequenas cidades francesas para subir em um avião e cruzar a fronteira, quase sem nenhuma culpa. "Trem na França costuma ser mais caro que bilhetes de avião", é a desculpa que dou para mim mesma. Depois, ao ver alguma imagem bonita na TV, eu me arrependo.

Reservamos o ultimo fim de semana agradavel do ano para viajar pela região onde moramos, o Rhône Alpes. Eu queria ver o marrom avermelhado do outono e o Léo esperava encontrar paz - o unico desejo de quem acaba de defender um mestrado.


O mapa nos diz que Saint-Antoine-l'Abbaye não fica muito longe, então vamos. Percebo que ja estamos no interior quando vaquinhas com sinos pendurados no pescoço começam a surgir pelo caminho. Desligamos o ar condicionado, abrimos as janelas e enchemos os pulmões com o ar fresco que bagunça os nossos cabelos.

O trajeto de 1h30 é percorrido em quase três. Paramos diversas vezes para olhar, sentir, imaginar - e também para fotografar porcos. Digo para o Léo que quando tivermos filhos quero me mudar para um lugar assim. Ele sorri, ja sabendo que em cinco minutos eu vou mudar de ideia. Seguimos viagem, com o som desligado e fazendo planos irrealizaveis para o futuro.

Ao chegar ao nosso destino, uma cidade medieval com menos de mil habitantes e uma igreja gotica do século XII, me lembro de Frances Maye e o seu livro "Sob o sol da Toscana". Faço de Saint-Antoine-l'Abbaye a minha Cortona, lugar da Italia onde a americana comprou uma casa para reformar e passar suas férias. Me inspiro na autora para descobrir os segredos da cidade através de uma caminhada atenta. 

No jardim da igreja, crianças correm em cima da grama inacreditavelmente verde para essa época do ano. O lado de dentro é lindo, mas a vista de fora é espetacular. Ansiosos para descobrir o resto, passamos menos tempo ali do que deveriamos.

Em lugares assim, tão fotogênicos, preciso fazer esforço para não fotografar o tempo todo. Embora a câmera seja boa, algumas cenas so os olhos conseguem registrar. Era sabado e, apesar dos cinco graus acima da temperatura normal, as ruas estavam quase vazias. Ruelas de pedras, colocadas ha sabe-se la quantas centenas de anos, so para nos dois.
 

A vitrine da unica padaria do village nos convida para entrar. Descobrimos o sabor do sacristain, uma massa folhada retorcida com nozes e açucar. Delicioso e delicado. Continuamos a caminhar até percebermos a senhora vestida com as cores da bandeira francesa lendo uma revista na varanda de casa. "Oui, madame!", é a resposta que ganho quando pergunto se posso fotografa-la. Eu daria tudo para saber que leitura era aquela que a deixava tão interessada. Viagens? Culinaria? Se fosse sobre a Segunda Guerra, teriamos algo em comum.

O silêncio é quebrado pelo sotaque inglês de um casal maduro que sai de casa para um passeio. Tento ouvi-los, mas pouco entendo. O francês ocupou todo o espaço no meu cérebro. O Léo se cansa de me esperar e se senta no chão. Atras dele, aquele que acabou se tornando o meu lugar preferido na cidade: um beco medieval com uma construção maluca onde portas e janelas se destacam. "Não se mexa, vou fotografar!", digo. La se vai todo o meu esforço em manter câmera e celular desligados.


Almoçamos no terrasse de um restaurante simpatico ao lado da igreja. Dizemos a cada cinco minutos a frase que nossos vizinhos de mesa também não se cansam de repetir: "Final de outubro e estamos comendo do lado de fora, de camiseta!". Meus raviolis cobertos com molho cremoso de cèpes, uma espécie de champignon da região, parecem mais apetitosos que o entrecôte do Léo. Ao lado, um outro restaurante, vazio, onde voltamos para um café no final da tarde. O proprietario conversava com uma cliente local sobre os males dos celulares ligados durante as refeições. Eu tinha acabado de perguntar onde havia uma tomada para carregar a bateria do meu iPhone.

O Léo não gosta muito de bichos, mas se enrabixa com um gato assanhado que pula no colo dele em busca de carinho. Erro mais uma vez, ao insistir em imortalizar a cena através das lentes. Tem uma menina tão linda brincando no jardim abaixo da sacada onde estamos. O Léo acena, ela sorri e diz bonjour. Penso mais uma vez em como seria bom criar os meus filhos ali, com ele.

Engraçado que em um lugar tão bonito esteja a arvore mais triste que eu ja vi, com galhos secos que crescem para baixo. A luz forte do fim do dia da um jeito de transformar a cena, apesar de tudo. Luz do fim do dia? Não vai dar tempo de encontrar o lugar certo para fotografar a igreja!

Corremos até a entrada da cidade, onde deixamos o carro, para analisarmos as possibilidades. Viramos à esquerda, mas deveriamos ter subido pela direita, na estradinha de terra que leva até o alto do morro. Chegamos atrasados. As nuvens de uma chuva que nunca chegou a cair cobrem tudo. Tiro fotos ruins, sem luz, e entro no carro lamentando os cinco minutos perdidos. De repente, um buraco se abre nas nuvens e raios de sol iluminam diretamente a fachada da igreja. Desço do carro a tempo de fazer a ultima foto do nosso passeio, sem foco.


Desligo a maquina e aproveito a vista ao lado do marido, antes de publicar a foto acima no Instagram. Escrevendo este texto, constato que levei tempo demais para perceber que as cenas mais bonitas nunca poderão ser passadas para o computador.





Acompanhe as nossas viagens pela pagina do blog no Facebook!

Leia também:

Related Posts with Thumbnails