quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

O sonho da casa propria

Léo e eu adoramos o nosso cantinho porque, apesar de pequeno, é a nossa cara. Cuidamos com carinho de cada ambiente garimpando durante as nossas viagens peças que dão mais personalidade aos moveis Ikea na nossa sala. Mas um dos principais motivos de gostarmos tanto de morar neste apê é saber que, se der vontade, basta embalar tudo e devolver as chaves.


A unica vez que cogitamos parar de viajar para investir em um apartamento foi logo depois que nos casamos. Nessa época eu descobri que comprar a casa de um velhinho e ficar torcendo para ele morrer rapido era a opção mais em conta para casais que, como nos, não possuem economias para investir na casa propria. 
 
Eh a tal venda en viager, onde os proprietarios (geralmente idosos viuvos e sem filhos ou familia) vendem seus imovéis por preços bem abaixo do valor de mercado. Bem abaixo mesmo! Um apartamento avaliado em 580 mil euros, por exemplo, sai por 236 mil euros de entrada + mensalidades de 500€ se for comprado en viager. Ou seja, você compra, mas não leva - não imediatamente. E é ai que entra a parte chata da historia: ficar torcendo para o proprietario bater as botas para, finalmente, poder se instalar no seu doce lar.

Antes que você pense: "Credo! De onde foi que os franceses tiraram essa ideia?", eu explico que francês é pratico. Criaram o viager porque, acredite ou não, tinha gente morrendo por aqui e deixando imovéis carissimos pro governo - simplesmente por não terem herdeiros. Dai surgiu essa proposta, que permite que familias invistam nas suas casas proprias, mas que, ao mesmo tempo, garante uma vida mais confortavel para os aposentados. Ambos se beneficiam porque o aposentado, além de levar a bolada da entrada e receber uma quantia todos os meses, tem garantido o direito de continuar no imovel até morrer. E o comprador, bom, o comprador pode economizar até 50%.

Outro dia assisti a uma reportagem sobre um senhor de 80 e poucos anos que vivia sozinho por não ter se casado nem tido filhos, e que recebia uma aposentadoria de 400€ por mês (muito baixa, visto que o salario minimo na França é de 1.430€). Um caçador de imoveis descobriu o cara e, ao visitar a casa dele, a avaliou em 800 mil euros! Propôs então que ele a vendesse pela metade do preço, cobrando uma entrada de 200 mil e o resto em prestações de dois mil euros por mês. Sua renda mensal passou de 400€ para 2.400€! Sem falar no dinheiro da entrada, que ele decidiu gastar viajando. Ja o comprador... bom, este deve fazer mandinga todo mês.

O viager é, acima de tudo, um enorme risco para quem compra. Afinal, você não sabe quantos anos o proprietario ainda vai viver. Tem um caso famoso aqui na França que faz a gente pensar duas vezes antes de investir num negocio desses. Jeanne Calment, uma viuva de 90 anos e mãe de dois filhos ja falecidos, vendeu a sua casa para um casal (o homem tinha 47 anos na época) e recebia todos os meses uma boa quantia. Trinta anos depois, quando o comprador faleceu aos 77 anos, a danada continuava viva e esbanjando saude. A esposa do comprador teve que continuar pagando as mensalidades até que Jeanne falecesse, aos 122 anos de idade! No final, a casa custou duas vezes o valor negociado.

Azarada que sou, sei que também vou me dar mal se fizer este tipo de investimento, mas me divirto olhando os anuncios de viager no jornal. Além da descrição tradicional, tem também a idade dos proprietarios: "2 quartos em Paris, 60m2, vista para a Torre, homem de 78 anos". So falta o historico médico, facil de descobrir visitando o apartamento e batendo um papo com o dono. Para mostrar que o apartamento é um otimo negocio, os proprietarios contam com que frequência vão ao hospital e os problemas de saude que andam tendo... como se dissessem: ja tive dois infartes nos ultimos anos e o meu colesterol esta explodindo, amigo! Pode assinar o contrato que você vai se dar bem!

Você assinaria?

 

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Um roteiro de cinema em Lyon

Eu moro num bairro meio afastado do centro, o que não é de todo mau. Tem comércio, bons restaurantes, metrô. Às quartas, tem uma feira orgânica e, aos sabados, a tradicional - com barracas de cacarecos e livros que eu adoro garimpar.

Mas até pouco tempo eu pensava que, turisticamente falando, o 8ème não era um lugar interessante. Quando recebia visitas, corria para o centro da cidade. So que isso começou a mudar. Passei a dividir o meu tempo livre entre os bairros mais tradicionais e o meu. E foi nesse ajuste que finalmente eu pude visitar o museu-simbolo de Lyon, ao lado de casa.


Não gosto de classificar passeios como "obrigatorio" ou "imperdivel", mas me permito a escorregada para dizer que estes adjetivos se aplicam perfeitamente ao Museu Lumière, principalmente para os cinéfilos que sonham visitar o local onde foram rodadas as primeiras cenas da historia do cinema e conhecer a casa e a vida dos irmãos franceses que inventaram a sétima arte.

Se identificou? Então este é um programa para fazer assim que você colocar os pés na cidade - antes mesmo de seguir este roteiro aqui


O passeio ja começa ao descer na estação de metrô Monplaisir Lumière, toda decorada em homenagem aos irmãos Lumière. A casa que abriga o museu, construida em 1899 para ser a residência da familia, é apenas uma das boas surpresas do passeio. Fiquei encantada com o estilo art nouveau e art déco da casa, que mais parece um pequeno castelo.


Museus de cinema existem no mundo todo, mas nenhum outro, além do de Lyon, exibe itens tão importantes como o primeiro cinematografo da historia - um aparelho capaz de projetar sequências de imagens dando a impressão de movimento, inventado por Louis Lumière. Mas não é so isso. O museu também possui em sua coleção outras grandes invenções dos irmãos franceses, como o autocromo, a primeira técnica industrial de fotos coloridas, muito usada nas fotos da Primeira Guerra Mundial.


Em duas horas é possivel visitar as diversas salas interativas do museu e também as salas de exibição onde podemos assistir a alguns dos filmes mais antigos do cinema. Além disso, o museu/cinemateca possui um jardim lindo que vive cheio no verão, onde estão dispostos painéis que contam um pouco das invenções malucas dos irmãos Lumière.

Mas o lugar mais importante para os amantes do cinema talvez seja o antigo galpão da fabrica da familia Lumière, que fica atras do jardim. Foi exatamente ali, na rue du premier-film, a rua do Primeiro Filme, que foram rodadas as primeiras cenas do cinema, num filme dirigido por Louis Lumière ("A saida dos operarios da fabrica", em português), utilizando o cinematografo. O que resta do cenario original são as vigas de madeira que ficavam no teto da fabrica. No lugar da antiga fabrica, existe hoje uma sala de cinema que exibe durante o ano todo filmes franceses e estrangeiros que entraram para a historia.


Mas o passeio não termina aqui. Para continuar no universo dos irmãos inventores do cinema, sugiro uma pequena caminhada até a Avenida des Frères Lumière para conhecer o mais novo restaurante do Paul Bocuse, o Marguerite. O chef de cuisine francês mais famoso e respeitado do mundo escolheu a chef brasileira Tabata Bonardi para ser a responsavel pela cozinha do seu novo empreendimento.


A casa onde Auguste Lumière viveu com sua esposa Marguerite foi toda renovada para abrigar o restaurante, mas conservou o seu estilo art nouveau (dizem que investiram 3 milhões de euros na reforma). A proposta é revisitar pratos tradicionais franceses; o resultado é uma comida saborosa em um ambiente refinado, mas não a ponto de causar desconforto. Foi por ter comido muito bem la, mas também por ter me sentido tão à vontade, que este se tornou um dos meus restaurantes preferidos em Lyon.

No almoço, um menu com entrada + prato + sobremesa custa 28,60€. No jantar, o menu Lumière sai por 42€. Consulte os menus aqui e lembre-se de reservar antes. 


O meu bairro guarda ainda uma ultima surpresa, que vai fazer você me agradecer por ter te convencido a deixar o eixo turistico do centro da cidade para descobrir pequenas delicias do cotidiano lionês.

Depois de visitar o museu, se não conseguir uma reserva no Marguerite, siga caminhando pela Avenida des Frères Lumière por dois quarteirões, até o numero 174. Não resista ao convite da vitrine discreta e apetitosa do artisan chocolatier François Gimenez. Entre e escolha alguns chocolates para levar ou uma das sobremesas, caso consiga escolher apenas uma. O lugar conta com os talentos do Joffrey Lafontaine, membro da equipe vencedora da Copa do Mundo de Patissêrie em 2013.


Dez minutos de metrô te separam do museu mais importante da cidade, do restaurante mais badalado do momento e dos melhores doces de Lyon. E eu achando que meu bairro era sem graça...




Museu Lumière
Metrô: linda D, estação Monplaisir Lumière
De terça a domingo, das 10 às 18h30
Tarifa: 6,50€

Restaurante Marguerite
57, avenue des Frères Lumière
Aberto todos os dias, das 12 às 14h e das 19 às 22h30
Telefone: 04 37 900 300

François Gimenez
174, avenue des Frères Lumière
Aberto de terça a sabado, das 8 às 19h15 e aos domingos, de 8 às 12h.


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